a importância da música física

Durante o mês de julho o canal de YouTube “Digging The Greats” partilhou uma série de vídeos a relatar a experiência de deixar de ouvir música através de serviços de streaming e, em vez disso, ouvir tudo num iPod. A série, composta por 4 vídeos, manteve-me “at the edge of my seat” durante 4 semanas e comecei seriamente a questionar a maneira como consumo arte atualmente e o quão insustentável é o modelo atual das plataformas de streaming

A conclusão não é de todo nova e todos os anos somos relembrados disto entre novembro e dezembro quando toda a gente partilha o seu “Spotify Wrapped”. Sendo um artista, eu próprio vivo isto em primeira mão, tendo amealhado um total de 53$ (brutos) por cerca de 18000 streams no Spotify. Isto dá cerca de 0,0029€ por stream e claramente não é a melhor forma de me tornar artista a tempo inteiro. 

Do ponto de vista dos artistas, sem os quais as plataformas de streaming não existiriam, a situação não é boa. A remuneração é baixa e estão à mercê da vontade de uma entidade privada cujo principal objetivo é satisfazer os shareholders e não a criação de uma fonte sustentável de rendimento para os mesmos. É certo e sabido que o streaming não é uma solução viável para os artistas, no entanto, enquanto os consumidores estiverem relativamente satisfeitos com os mesmos, o mais provável é tudo se manter igual. 

Passando então para o ponto de vista do consumidor, o streaming é aparentemente imbatível: por um valor relativamente acessível podemos ter acesso a (praticamente) toda a música existente e ouvir o que quisermos, quando quisermos. No entanto, assim que cancelamos as nossas subscrições, ficamos sem nada. A coleção de álbuns que temos vindo religiosamente a guardar, bem como as nossas playlists e tudo o que criámos na plataforma desaparecem também. E isto não seria problemático, se tivéssemos uma memória espetacular e conseguíssemos memorizar tudo o que ouvimos e gostamos. Como não é o caso, surge o problema de nos esquecermos por completo de música que teve impacto em nós. É interessante pensar que, com os avanços tecnológicos, deixámos de ter música em formato físico para ter ficheiros mp3 e, de momento, não temos rigorosamente nada.  

Para além de não ser uma fonte sustentável de receitas para os artistas e de, na prática, estarmos a alugar música, existe uma componente humana que se perde com o streaming. Uma das melhores memórias que tenho da minha infância é de um dia em que cheguei a casa entusiasmado pela minha professora de Inglês me ter mostrado Supertramp pela primeira vez. Ao ouvir isto, o meu pai mencionou que tinha um disco da banda e passámos a noite inteira a ouvir a sua coleção de discos (que, na altura, era composta por pelo menos 100) e a falar de música. Com o streaming não é possível emular uma situação semelhante. Ou se calhar até é, mas, não me parece muito entusiasmaste abrir uma aplicação no meu telemóvel e percorrer as várias playlists que tenho para mostrar aos meus filhos o que ouvia quando era mais novo (um à parte divertido é que, este ano, ao falar com o meu irmão sobre esta situação, ele relembrou-me que nesse dia inclusive alugámos um DVD para ver em família e acabámos por nem sequer o ver. CDs e DVDs na mesma frase? Vai-te embora velhadas!). 

A experiência de abrir um disco pela primeira vez, ver o que é que o artista escolheu colocar no booklet e sentir que sou dono de uma peça de arte é como nenhuma outra. E pretendo não só manter essa maravilha infantil para mim, como também ser capaz proporcionar essas mesmas experiências aos meus futuros pequenos. 

Com tudo isto, decidi então que estava na hora de mudar os meus hábitos e voltar a comprar alguns discos que considero relevantes. Apesar de, em 2018, ter deixado de comprar CDs em prol dos discos de vinil, decidi voltar atrás na minha decisão por serem uma opção mais viável, tanto em termos de espaço, como em termos financeiros. Para mim, justifica-se comprar a versão em vinil daqueles que são os meus projetos favoritos e à volta dos quais construo a minha personalidade inteira. Por outro lado, vejo a aquisição de um CD como algo mais relaxado, comprando álbuns que gostei. 

Depois de ter aberto cerca de 20 tabs diferentes do meu browser para descobrir qual o site nacional com melhores preços, acabei por encontrar a CDGO e encomendar dois CDs:o Yeezus do Kanye West e o BRAT da Charli xcx. O primeiro comprei porque, apesar de todas as controvérsias existentes em torno do artista, o impacto que este projeto teve em mim é indiscutível e não existe em formato vinil (fora as cópias contrafeitas). O BRAT comprei porque este ano finalmente comecei a apreciar a música de Charli xcx e este projeto é, sem dúvida, um dos meus favoritos deste ano. 

Para tornar tudo mais interessante, pedi para ambos os discos serem entregues na Tubitek de Lisboa, ao invés de serem entregues em casa, adicionando assim mais uma aura de magia a todo o processo (apesar de não ser comparável à sensação de encontrar um disco que já estamos à procura há anos).

Tubitek: loja de discos na Rua do Crucifixo, em Lisboa

Depois de esperar ansiosamente durante cerca de 15 dias, recebi notificação de que os discos já estavam na loja e assim que cheguei a casa comecei a tocá-los na minha aparelhagem. É certo que o número de vezes que tocar estes discos não vai alimentar o meu total de horas de música ouvidas no Spotify, danificando por completo a minha reputação perante os meus amigos, mas, o que é que isso interessa? A partir de hoje tenho mais dois discos na minha coleção, que poderei ouvir quando quiser (mesmo quando os serviços de streaming implodirem) e que, com sorte, me trará inspiração a mim e àqueles que me são próximos.