Hoje é dia 6 de outubro de 2024, o que significa que há exactamente um ano estava a lançar o meu primeiro álbum. Até àquela data tinha lançado um EP, Trials and Deleted Scenes, uma mixtape, a work in progress, e uma série de outros EPs que removi da Internet por terem sido apenas caixas de areia onde fui desenvolvendo a minha relação com a música. 

AWAKE foi, de facto, a primeira vez em que me sentei, concetualizei e executei um álbum do início ao fim. E, apesar de ter sido uma grande vitória para mim, sou capaz de ter um olhar crítico e apontar o que fiz bem e o que fiz mal. Sendo assim, o objectivo deste blog post é dissecar um pouco o projecto e redigir uma crítica que sirva como guia do que fazer e não fazer no meu segundo álbum. 

O objectivo

O meu objectivo quando comecei este projecto foi criar um álbum que soasse a um filme e quis certificar-me de que era possível compreender a história sem recurso a mais nada a não ser o álbum propriamente dito. E acredito plenamente que consegui concluir este objetivo. Ao longo das 12 faixas que compõem o projecto, introduzo a história de Miles que, tendo chegado recentemente à “vida adulta”, tem de aprender a equilibrar os três principais pilares da sua vida: a sua relação amorosa, a sua relação com os amigos e a sua profissão. A história desenrola-se após a tomada de uma decisão que afeta estes três pontos e acompanha a forma como Miles lida com isso. 

A short story que redigi serve como um complemento do álbum e acrescenta alguns detalhes que não consegui incluir no álbum musical. O próprio álbum também inclui detalhes que não estão contemplados na história e juntos formam o projeto AWAKE, no entanto, não creio que seja necessário ler a short story para compreender os traços largos da história contada no álbum. 

As minhas faixas favoritas (polémico, talvez)

Apesar de gostar de todas as minhas faixas por igual, de momento, as minhas favoritas do projecto são BOOTLEG, FALLING DOWN e AWAKE

Em BOOTLEG fugi completamente da maneira como costumava fazer músicas: em vez de começar pela harmonia, comecei pela batida, tendo decidido logo à partida que queria fazer um club banger. A segunda questão em que tentei inovar foi na estrutura. Em vez de seguir o clássico “intro, verso, refrão, verso, refrão, outro”, tentei copiar o que as Pop Girlies fazem e fui dar uma olhada ao que é que a Dua Lipa fez em Hallucinate, tendo acrescentado um pós-refrão e um bridge, algo que nunca tinha feito antes. 

Em FALLING DOWN quis criar um instrumental que refletisse os sentimentos destrutivos da personagem principal (algures no meu disco externo tenho uma gravação minha a cantar a linha melódica). A ideia era criar uma música para “moshar a chorar” (semelhante à Do Me a Favour dos Arctic Monkeys ou à WEIGHT dos BROCKHAMPTON) e a parte essencial para conseguir esse sentimento foi o breakdown com o solo de synth. Em concertos costumo tocar este solo e é uma das minhas partes favoritas do espetáculo! 

No final do projecto ouve-se ainda AWAKE, que, apesar de liricamente ser uma faixa narrativa e com muita exposição, é uma das minhas favoritas porque nela encapsulei exactamente o que sentia. Não só isso, a composição do solo final foi um momento muito catártico que me levou a verter uma ou duas lágrimas durante o processo. 

Fazer um álbum conceptual sendo um artista pequeno

Esta última faixa que mencionei é importante porque, apesar de em termos instrumentais ser incrível (na minha opinião), traz ao de cima um defeito do projecto no que toca ao conteúdo lírico: a narrativa é demasiado vincada e passo a maior parte do projecto a expor uma história (talvez) demasiado específica. A meu ver, isto pode ser um problema porque, como ainda não sou um artista devidamente afirmado na indústria, são poucos os que estão dispostos a pegar num álbum de quase 40 minutos cujo maior selling point é a história que está a ser contada como um todo: se já é difícil um artista grande convencer alguém a ouvir um álbum por inteiro, mais difícil é um artista pequeno pedir exatamente o mesmo.

Apercebi-me que isto podia ser problemático no dia em que me sentei a pensar em quais seriam os singles do projecto, tendo inclusive a necessidade de encurtar o único single, BOOTLEG, de forma a não revelar um dos pontos essenciais do desenrolar da narrativa. 

Em suma, é um álbum feito para um audiência reduzida e complicado de explicar, criando alguns entraves para a minha afirmação como artista na indústria musical portuguesa. 

A parte musical da coisa

Do ponto de vista musical, foi o primeiro projecto em que senti que tinha as ferramentas certas para trabalhar. No final de 2022 comprei o Analog Lab da Arturia e a quantidade de sintetizadores existente nesse Plug-In levou a minha criatividade para sítios que nem sabia que existiam. Não só isso, foi também um projecto onde me foquei particularmente em exprimir sentimentos através de progressões harmónicas, tentando que a própria harmonia contasse uma história por si só. Hoje compreendo que este foco na harmonia levou-me a deixar as secções rítmicas para segundo plano em algumas das faixas e, de momento, já estou a tentar melhorar isso, explorando ritmos diferentes.

Com este álbum, abri também várias portas no que toca à exploração da minha voz, tendo sido o primeiro projecto em que todas as faixas incluem cantoria da minha parte. Foi sem dúvida uma evolução na direcção certa porque sinto que desta forma me consigo exprimir de uma maneira muito mais natural. Não só isso, foi também o primeiro álbum em que explorei o uso de Auto-Tune e de outros Plug-Ins de manipulação vocal (o Little AlterBoy para os mais curiosos). 

Apesar de todos os desafios que atravessei, o maior foi sem dúvida a fase da mistura e masterização porque nunca tinha feito um projecto tão grande e não tinha bem consciência do desafio que era certificar-me de que todas as músicas soavam bem em conjunto. Durante dois a três meses falhei imenso e ainda bem! Porque só assim é que foi possível aprender tudo o que aprendi sobre estes processos. Actualmente consigo apontar alguns defeitos nas técnicas que usei e inclusive tenho feito alguns ajustes para que as minhas músicas mais recentes sejam uma evolução natural deste projecto. No entanto, misturar e masterizar este álbum deu-me a confiança necessária para fazer isso com qualquer outra faixa.

Sobre o processo criativo

Desde que comecei a fazer música em 2017 que sempre quis fazer um álbum que soasse a um filme, mesmo antes de sequer conseguir escrever letras. Mais tarde, em 2020, trabalhei arduamente num projecto, Defining a Patient Machine, que conta a história de uma personagem que toma uma decisão por peer pressure e que tem de aprender a lidar com as consequências da mesma. Acabei por colocar este projecto na gaveta porque não tinha ainda o conhecimento técnico necessário para o trazer à vida e porque antes do ano acabar, tive a ideia de fazer e lançar um single e um visualizer por mês durante um ano inteiro (projecto este que acabou por se tornar na mixtape a work in progress).

Em setembro de 2022, ao ver uma fotografia de James Caan no set de The Godfather, em que o mesmo está a fumar um cigarro com a cara cheia de sangue, imaginei uma história em que a personagem principal tem de lidar com outra personagem e, depois de ser consistentemente irritado por ela, acaba por assassiná-la. Na história original, o shot final era parecido com a fotografia do James Caan, no entanto, com o tempo fui moldando esta ideia e acabei por determinar que, ao invés de acabar a história com um assassinato, ia começá-la assim e que o foco iria ser nas consequências desta acção. 

Quer isto dizer que, apesar de o álbum em si ter sido feito entre setembro de 2022 e agosto de 2023, é um projecto que já tenho na cabeça há pelo menos 7 anos e que sofreu várias mutações até chegar a este ponto. E o que é interessante é que cada música que fiz desde então contribuiu para o projecto que hoje está diante de ti: apesar de, entre 2017 e 2022 achar que não andava a fazer nada de jeito, na verdade estava a dar passos essenciais para tornarem real o meu primeiro álbum. Ou seja, não existe tempo desperdiçado na arte. Cada beat manhoso que fizeres, cada fotografia que tirares, cada conversa que ouvires num café vai alimentar algo dentro de ti que possivelmente nem sabes que existe. Mas, quando se sentir pronto, esse algo vai aparecer e exigir a tua atenção. E é aí que tens de decidir se vais querer deixar o lápis correr sem parar ou não.