devia desistir da música

Em 2006 pedi aos meus pais um par de Heelys, um sapato revolucionário com uma roda na planta do calcanhar que permite que o seu utilizador deslize em vez de andar como um plebeu. O que ninguém me disse foi que andar de Heelys é consideravelmente mais difícil do que aparenta ser. E no dia em que os comprei, fui também confrontado com a frustração de não conseguir deslizar como as pessoas do anúncio. 

Depois de ter caído várias vezes e de ter chorado como um bebé, acabei por conseguir deslizar na cozinha de uns amigos dos meus pais e não houve melhor sensação do que alcançar algo pelo qual lutei tanto. 

Não foi a primeira nem a última vez que senti na pele a frustração de estar a dar o meu melhor e não conseguir chegar onde quero, já que anos antes aprendi a andar de bicicleta e algum tempo depois aprendi a fazer contas de dividir. Foi apenas uma das instâncias em que a vida me ensinou que nem sempre conseguimos o que queremos quando queremos. 

O que me traz aqui hoje não é algo tão trivial como andar de Heelys ou de bicicleta (nota que ainda hoje não considero fazer contas de dividir como sendo algo trivial). É algo que se tem tornado basilar no meu desenvolvimento como ser humano e em torno do qual construí uma boa parte da minha personalidade (sendo que a outra parte é ser o maior fã do The Spongebob Squarepants Movie de 2006): ser músico e querer fazê-lo profissionalmente.

Em 2017 comecei a fazer música e não sabia que em 2024 ia continuar a insistir nesta actividade. Na altura queria apenas encontrar um hobby interessante que me ajudasse a lidar com as frustrações do curso e não pensava de todo em tornar-me profissional da coisa. No entanto durante os últimos anos tenho pensado bastante nesta possibilidade e, apesar de não saber exactamente o que é que isso implica, é algo que se materializou como um dos meus grandes objectivos para concluir (preferencialmente) num futuro próximo. 

Actualmente estou mais perto dos 30 do que dos 20 e isto faz-me pensar (ainda mais) na vida. Faz-me pensar que já investi muito dinheiro e, mais importante, tempo na música e que se tivesse investido estes dois recursos em algo mais “útil”, provavelmente estaria numa posição muito mais privilegiada para continuar a subir os degraus da vida.  E, tendo em conta que de momento a música ainda não ultrapassou o estatuto de hobby, torna-se cada vez mais complicado justificar a sua permanência como constante na minha vida. Com este objectivo pendente e com o historial que demonstrei ao início, chegamos então inevitavelmente ao título do texto: devia desistir da música. 

Mas, algo me prende. Em parte, pode ser a voz da minha avó (que infelizmente já não está entre nós) a pedir-me que nunca pare de fazer as minhas “músicas bonitas”. Na sua maioria, é o facto de a música ser a actividade que mais felicidade me traz no meu dia-a-dia. Assim que acordo, penso logo na música que estou a estudar de momento, quando saio do trabalho, o primeiro pensamento que me vem à cabeça é “devia ir lanchar” e logo a seguir “bora fazer um beat?”. A música, para mal dos meus bens, entrelaçou-se na minha vida e não me parece que vá deixar de gostar de conviver com ela tão cedo.

Fico então com a questão: a vida é para se tornar numa sequência hiper-eficiente de eventos ou para ser vivida e aproveitada? 

Como de costume, a resposta certa é “nenhuma das opções” e é uma mistura de ambas. Para além disto, o objectivo de me tornar profissional, por muito interessante que possa ser, não é saudável porque não é algo binário e não depende inteiramente da minha pessoa. Sendo assim, há que regressar um pouco à inocência que tinha quando comecei e fazer música pelo simples facto de ser divertido para caraças e ver até onde é que isto me vai levar.  

Ler estas palavras, preto no branco, faz-me sentir coisas. Traz-me alguma tristeza porque sinto que, de certa forma, é a morte do sonho. No entanto, também me traz algum conforto. Porque acabei de tirar um peso enorme dos ombros e sinto que agora posso finalmente concentrar-me naquilo que é mais importante na música: fazê-la e divertir-me durante o processo.

Fotografia pelo Rodrigo Lopes